DESCRIÇÃO DA FREGUESIA DE LINHARES EM 1874

Vila, Beira Baixa, comarca, concelho e 12 quilómetros a SO. de Celorico da Beira, 18 a OSO. da Guarda, 90 ao NE. de Coimbra, 250 a E. de Lisboa, 280 fogos.

Em 1757 tinha 206 fogos.

Orago Nossa Senhora da Assunção.

Bispado e distrito administrativo da Guarda.

Era um antiquíssimo concelho de 1.800 fogos, que foi suprimido em 1855.

A casa do infantado apresentava o prior, que tinha 320$000 réis anuais.

Situada em posição elevada, nas faldas da Serra da Estrela, entre muitos arroios, e passando-lhe pelo meio uma grande levada que rega o seu território, o qual é fértil, sobretudo em cereais.

Sobre um rochedo está edificado o seu antigo e desmantelado Castelo, com duas portas e duas torres tudo a vir abaixo. Não se sabe ao certo quem edificou este castelo, mas supõe-se que foi D. Dinis, no fim do século XIII, ou princípio do XIV.

O seu primeiro foral lhe foi dado por D. Afonso Henriques, sem data. O mesmo rei lhe deu outro foral, em setembro de 1169, e seu filho, D. Sancho I, lho reformou em 6 de abril de 1198. D. Afonso II confirmou todos estes forais (que tinham grandes privilégios) em Santarém, no mês de outubro de 1217.

D. Manuel lhe deu foral novo, em Lisboa, no 1° de junho de 1510.

Rodrigo Mendes da Silva, na “Poblacion General de España”; Carvalho, na sua Corografia, e outros muitos escritores, dizem que esta povoação foi fundada pelos túrdulos, 500 ou 580 anos antes de Jesus Cristo, com o nome de Lenio, ou Leniobriga (que vem a ser o mesmo). Pretendem que o seu actual nome é corrupto do primitivo. Dizem também aqueles dois escritores, que foi cidade episcopal no tempo dos godos, o que é duvidoso.

Os mouros a destruíram no século VIII, e D. Afonso III, de Leão, a reedificou em 900.

Como os nossos antepassados tinham o costume de chamar povoar, ao acto de dar foral, não podemos saber, se com efeito D. Afonso I de Portugal a achou despovoada, quando lhe deu o primeiro foral, sem data; o que é certo é que em 1169, quando este rei lhe deu o segundo foral, estava povoada.

É uma povoação muito antiga.

Quando o nosso rei D. Fernando casou sua filha bastarda, legitimada, com D. Afonso Henriques de Castela e Noronha, conde de Gijon, filho, também bastardo, de D. Henrique II de Castela, deu-lhe em dote esta vila, que, poucos anos depois, tornou para a coroa.

D. João III, fez conde de Linhares, em 13 de maio de 1532, a D. António de Noronha, filho segundo do primeiro marquês de Vila Real, e que, além de outros senhorios e empregos, era também alcaide-mor de Linhares.

Em castigo do atentado contra D. José I, foi extinto este título em 1759.

Já os membros desta família (Noronhas) tinham, em 1641, pretendido vender Portugal aos castelhanos, assassinando o rei; pelo que, alguns deles, foram degolados na praça do Rossio, de Lisboa, em 29 de agosto de 1641. 

O príncipe regente, depois D. João VI, renovou o título de conde de Linhares, em D. Rodrigo de Sousa Coutinho, conselheiro de estado e ministro dos estrangeiros e da guerra.

Hoje é seu neto o terceiro conde.

Nesta vila nasceu, em 1512, o servo de Deus, Gregório Lopes. Foi em 1558 para as índias Ocidentais (América), onde foi célebre pela sua incrível memória, vasta inteligência e erudição, e exemplaríssimas virtudes. Faleceu na cidade de Santa Fé (México) em 1596, chorado por todos, e é ali geralmente reputado como santo.

As armas de Linhares, são um escudo com uma meia lua e cinco estrelas. Segundo a lenda popular, teve este brasão a seguinte origem: em 1189, invadiu a Beira um exército de leoneses e castelhanos, roubando e devastando tudo. Era então o castelo de Celorico a principal, fortaleza da Beira, e o inimigo se aproximou dele para lhe pôr cerco. Mas os de Linhares resolveram acudir aos seus irmãos de Celorico, e chegaram á praça quase ao mesmo tempo que os invasores. Animados os de Celorico com tão valioso reforço, e impacientes por tirarem vingança dos grandes danos e afrontas que a província tinha sofrido dos inimigos não esperaram pelo acometimento, e saindo a campo na mesma noite da chegada dos de Linhares, uns e outros atacaram os invasores tão de improviso e com tamanha fúria, que os puseram em completa derrota e vergonhosa fuga, deixando no campo tudo quanto tinham roubado, todas as suas bagagens, e grande número de mortos e prisioneiros.

Em memória de tão assinalada façanha deu D. Sancho I por armas a Celorico e a Linhares, as que agora têm (mas as da primeira destas vilas foi depois acrescentada com a façanha de Fernão Rodrigues Pacheco, como se vê na palavra Celorico).

Diz-se que o crescente indica que a noite desta batalha era de lua nova.

Eram alcaides-mores de Celorico, D. Gonçalo Mendes, e de Linhares, D. Rodrigo Mendes, ambos filhos do valoroso conde D. Mendo, e bravíssimos guerreiros d'aquelas eras.

É Linhares uma pequena vila, sem edifícios que a recomendem. Tem uma só paróquia.

Ainda conserva a sua antiga casa da câmara.

Tem Misericórdia e hospital, e diversas ermidas.

Há na vila quatro chafarizes (um deles de boa arquitectura) abundantes de boa água.

Seus arrabaldes são férteis e muito arborizados. Só um souto, que é da câmara, tem 6 quilómetros de comprido e 3 de largo.

O clima é muito frio, mas muito saudável.

Seu território produz cereais, vinho, azeite, boas frutas, batatas, linho e muita castanha.

Muito gado de diferentes espécies de muita variedade de caça.

Linhares era antigamente da comarca da Guarda, depois foi erecta em cabeça de comarca, até que esta foi suprimida, ficando reduzida a julgado, até que em 18S5 também este foi suprimido.

Aqui nasceu D. Lopa, muito rica e nobre senhora, cuja vida foi uma série de erros e crimes, até que por fim se arrependeu, fez grande penitência e morreu com cheiro de santidade.

Em 1700 nasceu aqui um padre, que morreu em 1820. Viveu em cinco reinados, D. Pedro II, D. João V, D. José l, D. Maria I e D. Pedro III, e D. João VI.

Entre as vilas de Linhares e Mesquitela, na extremidade de seus termos, está situado o Santuário de Nossa Senhora da Anunciada, edificado em um teso, no centro de uma campina rasa, a que chamam Campo da Anunciada, ficando aqui também a aldeia do Curral (mas esta é já da freguesia de Mesquitela).

O Santuário está em terras de uma quinta dos senhores de Melo, e é tradição que neste campo houve uma grande batalha entre os cristãos e mouros, sendo estes derrotados.

A igreja tem só o altar-mor. Nele está a imagem da Santíssima Virgem (que é de pedra) com o menino Jesus nos braços. Apesar da sua muita antiguidade, é de boa escultura e o seu rosto sério e formosíssimo.

É esta Senhora objecto de grande devoção, não só para os povos imediatos, mas para outros muitos que estanceiam pela serra da Estrela, que todos, em suas atribulações e nas calamidades públicas, recorrem, fervorosos e esperançados, ao patrocínio da adorável rainha dos anjos, e mãe extremosa dos pecadores.

São testemunhos dos repetidos favores da Santíssima Virgem, os milagres que cobrem as paredes deste devoto templozinho.

Nada porém se sabe quanto á data da sua fundação, nem do seu fundador, senão que é um monumento antiquíssimo, talvez do tempo dos godos. 

In “Portugal Antigo e Moderno”, de Pinho Leal (1874, Vol. 4, Pág. 99)